Jornalista Ricardo Melo é o novo presidente da Abio
O diretor de Produção e Edição da Companhia Editora de Pernambuco (Cepe), Edson Ricardo Teixeira de Melo, foi eleito por unanimidade presidente da Associação Brasileira das Imprensas Oficiais (Abio) e exercerá o mandato até 2023, quando a entidade completará 80 anos de existência. Mineiro radicado em Pernambuco desde 1998, Ricardo Melo é jornalista profissional há 46 anos, com passagens por importantes veículos nacionais de imprensa. Um dos mais longevos integrantes da Abio – está há 14 anos na Associação desde quando assumiu uma das diretorias da Cepe –, fazia parte do Conselho Fiscal da Associação há oito anos.
Na presidência, espera contribuir com ações que objetivem dar maior visibilidade à atuação da Abio, hoje composta por 17 associados representativos de todas as regiões do país. Uma das principais pautas está centrada na Lei 13.818/2019, que passou a vigorar em 1º de janeiro de 2022, desobrigando empresas de sociedades anônimas a publicarem suas demonstrações financeiras nos Diários Oficiais. Essa mudança na norma legal impactará sensivelmente a arrecadação das imprensas oficiais. A Abio ajuizou ação direta de inconstitucionalidade, questionando a nova regra, cujo texto está sob a análise do Supremo Tribunal Federal.
Acompanhe abaixo trechos da entrevista.
LEI Nº 13.818/2019
Acredito que paira uma dúvida sobre a segurança jurídica de não mais publicar balanços financeiros no Diário Oficial e seguir o que sugere a lei, ao desobrigar empresas de sociedade anônima de fazer publicações nas imprensas oficiais. Ficaram algumas brechas, como o entendimento que se tem sobre o significado do termo “jornal de grande circulação”, que é, para mim, uma coisa vaga. O que é jornal de grande circulação? Jornal de grande circulação é jornal que é impresso? Aqui em Pernambuco, o jornal que se entende de grande circulação, pelos dados que a gente tinha do IVC (Instituto Verificador de Circulação), é um determinado jornal que não é mais impresso, só circula hoje em formato digital. Como fica? Jornal de grande circulação é aquele produzido por uma empresa privada ou pode ser considerado jornal de grande circulação um Diário Oficial? O Diário Oficial de Pernambuco tem um número significativo de acessos diários, e que não é pequeno, comparativamente.
CONSTITUCIONALIDADE DA LEI
A Abio ingressou com uma ação no STF e estamos apelando para essa medida extrema, que é questionar a constitucionalidade da lei. A ministra Cármen Lúcia ainda não tomou nenhuma decisão, o pedido está no nível de consulta. A lei já está em vigor desde janeiro deste ano e hoje é possível uma empresa de sociedade anônima esquecer que existe o Diário Oficial, escolher um jornal e publicar suas demonstrações financeiras. Não temos ainda uma avaliação precisa sobre o impacto que isso pode causar no volume de publicações de balanços empresariais nas imprensas oficiais. Existe uma certa insegurança por parte das empresas, é o que nos chega. São grandes empresas, regidas por seus estatutos que, suponho, ainda não foram revistos, tendo em vista o novo texto da lei. Até então, elas tinham de publicar os balanços nas imprensas oficiais e em jornais de grande circulação. Era assim o entendimento anterior. O texto da lei mudou para deixar apenas jornais de grande circulação e excluir as imprensas oficiais. Existe uma certa expectativa de que isso seja revertido, porque a rigor você publicar no Diário Oficial é o mais indicado do ponto de vista da segurança, jornal oficial não fecha, vai existir sempre, a não ser que mude completamente o conceito do que é imprensa oficial.
IMPACTOS COM A NOVA LEI
Certamente haverá uma grande queda de receita e isso é grave, porque desidrata as imprensas oficiais, que cumprem outros papéis, outras missões. Algumas têm gráficas e outras, como a Cepe, têm editoras, que de certa forma são importantes do ponto de vista cultural, de fomentar, de criar condições para que autores publiquem suas obras, estimulando a cadeia de produção editorial. São Paulo é um bom exemplo de uma grande editora que serviu de referência para várias editoras oficiais. O Pará, por exemplo, está começando a montar uma estrutura mais robusta de produção editorial. Mas o mais importante é a questão da transparência. O risco que se corre é o de pulverização da informação oficial, legal, de interesse público. Onde procurar informações oficiais, ou mesmo privadas, mas de interesse público, que deveriam estar tradicionalmente num veículo que publica documentos legais?
SEGURANÇA
O Diário Oficial garante transparência e perenidade da publicação. Hoje, se você quiser consultar um jornal do início do século passado, você vai no arquivo, tem o arquivo físico, que é um pouco mais complicado para a pesquisa, mas existe, está lá, encadernado. E muitas imprensas oficiais já estão aos poucos digitalizando seus acervos. É o caso do Diário Oficial de Pernambuco, que permite a qualquer pessoa o acesso, via internet, a uma consulta fácil, rápida, universal e gratuita. A ministra Cármen Lúcia, por exemplo, é formada em Direito pela Universidade Católica de Minas Gerais. Eu suponho que quando ela passou no vestibular o resultado saiu e foi publicado no Diário Oficial. As nomeações dela para várias instâncias do seu currículo estão registradas em órgãos oficiais, ela não vai procurar no jornal Estado de Minas. Ela sabe que no Diário Oficial encontrará, com certeza, a informação. Imagino que isso deve perpassar pelo entendimento de todas as pessoas.
MUDANÇA
A mudança na lei (13.818/2019) foi motivada por uma visão mais liberal dos processos, em nome da desburocratização, da economia das empresas, com a alegação de que isso diminui custos. Uma visão equivocada, no meu entendimento. Até se poderia discutir a obrigatoriedade em outros termos, mas não tirar completamente da imprensa oficial a condição de publicadora de atos de natureza pública. Isso dificulta o acesso à informação, agride a cidadania. É certo que haverá um impacto grande nas receitas, se a situação não for revertida. As empresas que ainda imprimem jornais, precisam investir em equipamentos, maquinário, papel, insumos. Quanto aos veículos exclusivamente digitais, há um entendimento equivocado de que se você colocar na internet não tem gasto nenhum. É uma bobagem pensar assim, porque você tem de ter toda uma estrutura, uma base tecnológica para manter os dados guardados e guardados não só num local. É necessário manter uma base de dados redundante. Tudo isso também custa dinheiro. Há ainda a questão da segurança, de invasão de hacker, é todo um processo que exige investimento em tecnologia e o investimento não basta você fazer uma vez, é uma coisa que você vai renovando à medida que a tecnologia também vai evoluindo e com isso você vai ampliando e democratizando o acesso. Cada vez que a tecnologia avança, mais você amplia o universo de leitores, levando essa informação a um interior bem distante, um grotão, como se fala, você possibilita cada vez mais acesso à informação de interesse público, um direito de todos.
DESAFIOS DAS IMPRENSAS OFICIAIS
Ao longo do tempo, nossa associação vem fazendo de três a quatro reuniões ao ano para discussão de temas comuns a todas as imprensas oficiais. Antes do processo de transformação do impresso para o digital, as discussões passavam por questões relativas à mídia impressa, técnicas de impressão, custo de papel e insumos. Depois da migração ou adoção do processo digital, a pauta cresceu, com predominância das novas tecnologias na área da informação. Mas basicamente a grande bandeira sempre foi o enfrentamento de movimentos que se opõem ao papel fundamental das imprensas oficiais. Questionar a função e a importância dos jornais oficiais sempre foi um contrassenso. Essa sempre foi a grande luta.
PERNAMBUCO NA ABIO
A Cepe, como empresa que publica o Diário Oficial, tem muitas atividades. Hoje, nós trabalhamos com digitalização, guarda de documentos, temos uma editora premiada, temos duas publicações periódicas (uma revista e um jornal) e estamos pensando em ampliar o leque de negócios da empresa. Tudo tem algo ligado à questão da documentação, da guarda, preservação, tudo isso tem a informação como eixo que regula nossa atividade. É uma atuação diversificada e pulsante, então isso propicia uma participação intensa em discussões e fóruns. As reuniões da Abio promovem uma troca de experiência e intercâmbio entre as empresas no sentido de fortalecer cada uma dentro das suas estruturas.
80 ANOS DA ABIO
Para celebrar os 80 anos da Abio, criada em 19 maio de 1943, pretendemos lançar já neste ano uma campanha de esclarecimento público com o objetivo de reforçar o papel das imprensas oficiais enquanto veículos fundamentais para a transparência e para a democratização do acesso dos cidadãos aos temas de interesse público. É uma boa data.