TRANSFERÊNCIA DA IMPRENSA NACIONAL LEVOU A MÍDIA PARA O INTERIOR DO PAÍS
Ao decidir, em 13 de maio de 1958, transferir a Imprensa Nacional para Brasília, o presidente Juscelino Kubitschek tinha um objetivo além da motivação administrativa: interiorizar a mídia do País, concentrada basicamente no eixo Rio-São Paulo. Isso é o que também pensa o pós-doutor em Ciências da Comunicação, José Marques de Melo, fundador da prestigiosa Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, ouvido pelo Nosso Jornal.
“Não tenho nenhuma dúvida a respeito disso. Não era só uma ação administrativa, tinha também um caráter simbólico. A mídia estava muito centralizada na faixa litorânea do País — ainda está hoje, embora em menor grau. Juscelino Kubitschek, então, decidiu transferir a Imprensa Nacional para Brasília, antes mesmo da inauguração da nova capital para que ela não só viesse imprimir os primeiros atos na e da nova capital do País como para estimular o estabelecimento de empresas de Comunicação”, comenta o jornalista, escritor e pesquisador científico de Comunicação.
“Acho que em alguns casos, como o da descentralização da mídia, o Estado tem de intervir, tomar a dianteira, e isso aconteceu com a Imprensa Nacional. Essa iniciativa estimulou a instalação na nova Capital de outras empresas jornalísticas. Um dos maiores exemplos foi o de Assis Chateaubriand, que fez circular o Correio Braziliense no dia da inauguração de Brasília. Hoje, passados 50 anos, o que se vê é o resultado da ação de JK, ou seja, um crescimento da mídia no Centro-Oeste, em especial Brasília, Goiás e Mato Grosso. A população e a burocracia letrada de Brasília lê muito jornal. Em 1967, os pesquisadores Luiz Beltrão e Ramiro Samaniego identificaram uma relação entre imprensa de Brasília e fluxos migratórios: a imprensa é um fator de migração para Brasília”, discorre Marques de Melo, que neste ano lança o livro “Os Caminhos Cruzados da Comunicação: Economia Política e Cultura”.
PREOCUPAÇÕES DE JK
O que preocupava JK não era apenas a questão da discussão, à época (a partir dos anos 1950), a respeito da existência de dois “Brasis” (um litorâneo, produtivo e outro interiorano, estagnado econômica e socialmente). JK, embora liberal e tolerante com os adversários políticos, também foi alvo de duras críticas por parte da oposição e de grandes jornais e um dos alvos principais foi a sua decisão de transferir a capital do País do Rio de Janeiro para Brasília. Esse tipo de jornalismo de combate, de doutrina, de crítica contumaz — que deixava de lado o jornalismo informativo, objetivo, imparcial — o incomodava. A Tribuna da Imprensa, do então deputado federal Carlos Lacerda, por exemplo, atacava diariamente a construção da nova capital.
Em entrevista exclusiva ao Nosso Jornal, o coronel reformado Affonso Heliodoro dos Santos, que foi subchefe do Gabinete Civil do Presidente Juscelino Kubitschek, lembra o ataque que o Plano de Metas — considerado pelos economistas e historiadores como a primeira tentativa bem sucedida de planejamento econômico no Brasil — sofreu de parte do Diário de Notícias, fundado em 1930 por Orlando Ribeiro Dantas e que permaneceu em circulação até 1974. Citou uma matéria escrita pelo jornalista João Dantas a respeito desse plano, que ele levou à leitura de JK. “O que podemos fazer?”, perguntou-lhe o presidente. Heliodoro, o fiel amigo e servidor, disse, então, após uma troca de ideias, que faria uma grande exposição sobre as obras de cada uma das 31 metas no Palácio do Catete e que chamaria a televisão, recém-nascida. “Fiz isso e o sucesso foi grande. As imagens chegaram a São Paulo”, relata. Para o cineasta Silvio Tendler, Juscelino Kubitschek foi o primeiro político a perceber a importância da opinião pública.
Affonso Heliodoro explica que ajudou a redigir o Plano de Metas, ao lado de quatro servidores da Terceira Subchefia do Gabinete Civil. Informa, com emoção, que o documento, impresso na Imprensa Nacional, “era composto de dois volumes, em cores e tinha duas versões: português e inglês”.
TRANSFERÊNCIA DA IMPRENSA NACIONAL: PRIORIDADE
O ataque da grande imprensa tradicional só fez apressar a decisão de JK de transferir a Imprensa Nacional para induzir o surgimento de uma mídia forte no interior do Brasil. Heliodoro revela que para o presidente e todos os seus colaboradores diretos “o caso da Imprensa Nacional era fundamentalíssimo” no contexto da implantação dos órgãos públicos federais em Brasília.
“O Brito (o Diretor-Geral, Alberto Sá Souza de Britto Pereira) foi fundamental para a transferência da Imprensa Nacional”, destaca Affonso Heliodoro — que no próximo mês completa 94 anos de idade. “Brito Pereira foi ágil para transferir logo a Imprensa Nacional. Afora isso, trabalhava dia e noite para que ela pudesse publicar, nos primeiros dias da nova Capital, o grande número de atos oficiais. JK foi sempre um grande admirador do trabalho de Britto Pereira, pela força de sua colaboração, por sua boa vontade para concretizar a meta de a Imprensa Nacional estar funcionando em 100 por cento de sua capacidade no alvorecer de Brasília”. Britto Pereira foi Diretor-Geral da Imprensa Nacional em dois períodos: de 1944 a 1946 e de 1951 a 1979.
Affonso Heliodoro foi um dos mais próximos colaboradores de JK. Em uma carta do presidente para ele, datada de 18 de julho de 1964 (pouco mais de um mês após sua partida para o exílio), está escrito o seguinte: “Todas as manhãs, ao despertar, penso que ainda vou encontrá-lo no meu quarto e no meu banheiro para os primeiros comentários do dia”. O pioneiro conta que ele e JK começavam a trabalhar antes das 6 horas e só paravam depois da meia-noite. Acompanhou o seu amigo nos quase mil dias de exílio.
PRIMEIROS VEÍCULOS DE IMPRENSA
A notícia, em 1958, da transferência da Imprensa Nacional para Brasília provocou, como era esperado por JK, uma eclosão de títulos na futura capital. Nesse ano, surge o primeiro jornal impresso no meio de candangos e muita poeira vermelho (e barro, quando chovia): A Tribuna de Brasília, fundado pelo baiano José Emiliano da Silva e por Norton Passos. Tiragem: 300 exemplares. Depois surgiram o Correio de Brasília, que começou a circular em agosto de 1958, dirigido pelo jornalista Moisés Campos e impresso na oficina gráfica A Tribuna, no Núcleo Bandeirante. No mês seguinte, na mesma gráfica surgia o Brasília-Jornal, dirigido pelo jornalista Paulo Magalhães.
O DC-Brasília (edição do Diário Carioca do Rio de Janeiro – importante jornal do Brasil: introduziu o lide nas matérias, criou o copidesque, criou o primeiro manual de redação (escrito por Pompeu de Souza) e que teve nos seus quadros talentos como Zuenir Ventura, Paulo Francis, Rubem Braga, Fernando Sabino, Carlos Lacerda, Antonio Houaiss, Castelo Branco, entre outros nomes de vulto; fundado por José Eduardo de Macedo Soares em 1928, e extinto em 1965) começou a circular em 12 de setembro de 1959, sob a direção do jornalista Elias de Oliveira Júnior (experiente repórter da Rádio Nacional do Rio no Palácio do Catete). Foi, de fato, a primeira sucursal de um jornal em Brasília. Foi também o primeiro jornal diário a circular aqui. Inicialmente, sua sede ficava em um barracão de madeira na 2ª Avenida do Núcleo Bandeirante e, depois, numa sobreloja da quadra 508, na Asa Sul. Os textos eram enviados para as oficinas do jornal no Rio por telex, telefone e pelo último avião, quando seguiam também as fotografias. A edição era impressa durante a madrugada e seguia para Brasília no primeiro vôo da manhã.
No dia 31de maio de 1958, foi inaugurada a Rádio Nacional de Brasília, emissora estatal.
A revista Manchete foi a primeira empresa jornalística a instalar uma sucursal em Brasília. O prédio que abrigava suas atividades ainda existe e está localizado em frente à Imprensa Nacional. A revista, com sede no Rio, foi grande divulgadora das propostas desenvolvimentistas de JK, que mantinha grande amizade com o dono da empresa Adolfo Bloch.
No dia 21 de abril de 1960, surgiram o Correio Braziliense, a TV Brasília (de Assis Chateaubriand, que, assim, colocava no ar a primeira rede de televisão do País, com as imagens da festa de inauguração da nova capital chegando a Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro; marcou também a estreia brasileira do videoteipe), e o jornal Crítica de Brasília, dirigido por Rubens Galvão e Nelson Gatto, com uma tiragem de 75 mil exemplares (era distribuído também em São Paulo). Ainda no dia da inauguração de Brasília, começaram as transmissões da TV Nacional e a TV Alvorada (hoje, TV Record Brasília).