Artífices do chumbo, homens de ouro. Impressores, pioneiros. Hábeis na metamorfose de fazer o chumbo se transformar em letras; mais: em linhas de palavras: mais ainda: num orgânico texto, preso em uma rama (caixilho retangular de metal onde se engrada a forma tipográfica para deitá-la na prensa ou impressora). Mãos ágeis, músculos adestrados. Papel. Zoom! Zum! Zoop! Era o vai-e-vem da impressora manual Miller tipo 2 A. Resultado desse árduo e inadiável trabalho produzido no dia 21 de abril de 1960: uma tiragem de 15 mil impressos. A missão executada: o primeiro Diário da Justiça, rodado em Brasília pela Imprensa Nacional e que circulou no dia 22 de abril de 1960. Os homens de ouro que o imprimiram: os servidores Jorge Lúcio Ribeiro Russell e Arnaldo Luiz do Nascimento Junior, o Paulistinha.
FALAM OS HOMENS DE OURO…
Na companhia do responsável pelo Museu da Imprensa, Rubens Cavalcante Júnior, o Nosso Jornal foi até Sobradinho, onde reside Jorge Lúcio Ribeiro Russel, 85 anos de idade. Vestindo camisa pólo e bermuda e sem aparentar a idade real, Jorge Lúcio lembrou ser neto de Procópio Luís Ribeiro Russell, servidor da Imprensa Nacional no início do século passado e que chorou o incêndio que varreu o Órgão em 1911, então sediado no Rio de Janeiro.
Jorge Lúcio não queria ir para Brasília. “Cheguei a escrever nas paredes da Imprensa Nacional, no Rio, que não viria”. Acabou indo para Brasília meio obrigado pela administração. “Quem não veio, perdeu. Eu me orgulho de Brasília. Quando comecei a trabalhar aqui tive a clara consciência de que estava prestando um serviço ao Brasil”.
Ele ingressou nos quadros da Imprensa Nacional em 1943. Chegou em Brasília às 18 horas do dia 19 de abril de 1960, num vôo da Lloyd Brasileiro. No dia seguinte, já estava trabalhando, sob as ordens do chefe-geral de Impressão Plana, José Antônio Gonçalves, ao lado de Arnaldo Luiz do Nascimento Júnior, nas edições do Diário da Justiça dos dias 22 e 23 de abril. “Depois de imprimir a edição do DJ no dia 21, fui para o Núcleo Bandeirante. Lembro que nesse dia caiu uma chuva ralinha”, conta o antigo impressor, que recorda os nomes dos seus outros colegas da impressão plana: Mário Amaral, Nilson Prata do Nascimento, Hildebrando Cunha e Nilton Barbosa Pereira. E acrescenta: “É a primeira vez que conta essa história da impressão das primeiras edições do Diário da Justiça”.
O DJ do dia 22 de abril de 1960 saiu com duas páginas. A edição do dia 23 circulou com quatro páginas — o Diário Oficial do dia 22 tinha muito mais páginas, 24, mas foi impresso na rotativa Marinoni.
Arnaldo Luís do Nascimento Júnior recorda que a edição do DJ, do dia 23, começou a ser editada no dia 18 de abril. Nesse dia ele se apresentou à Imprensa Nacional em Brasília e já começou a trabalhar nas duas primeiras edições do jornal.
Às vésperas de completar 73 anos (em 17 de abril), Arnaldo, ou Paulistinha, como é mais conhecido, conta que chegou em Brasília no dia do seu aniversário — em 17 de abril de 1960. Foi do Rio para Brasília de avião, num vôo da PanAm World Airways. Com um porte atlético (ainda joga futebol!), vestindo uma camisa branca estampada e esbanjando simpatia, mostra para a reportagem uma matéria estampada em um recorte do Correio da Manhã do dia 18 de abril (um dos jornais que se opunha à transferência da capital para Brasília e que tinha como redator-chefe ninguém menos que Antonio Callado, autor, entre outras obras, de Quarup). Sob o título Eles estão migrando, uma foto mostra um grupo de pessoas, entre elas Paulistinha. Ele conserva com carinho esse pedaço de jornal, que documenta e alimenta a memória de um “bandeirante” do século 20. Nasceu em São Paulo, no Hospital das Clínicas, esse homem de ouro da história recente da Imprensa Nacional, onde ingressou em 1954, após ter trabalhado no jornal A Noite, no Rio.
O CONTEÚDO DO PRIMEIRO DIÁRIO DA JUSTIÇA
O primeiro DJ em Brasília (que circulou no dia 22 de abril) publicou pronunciamentos a respeito da inauguração da sede do Supremo Tribunal Federal na nova capital, no dia 21. Discursos feitos durante sessão extraordinária do Tribunal Pleno. A Corte era presidida pelo ministro Frederico de Barros Barreto. “Neste planalto e nesta hora, em que, entre festejos e aplausos, se instala a Capital do País, espero venha a surgir uma nova era, a que tanto aspiramos, para os melhores destinos da nossa Pátria, era que se anuncia no arrojo e suntuosidade deste empreendimento de repercussão histórica, que é Brasília”, disse o presidente do STF, conforme registra o histórico exemplar do Diário da Justiça.
Também o Procurador-Geral da República (chefe do Ministério Público Federal, que hoje integra o Ministério Público da União), ministro Carlos Medeiros Silva também discursou lembrando o sonho dos pioneiros da independência política do Brasil. “Mas não é possível calar-se nesta hora e minguar os louvores ao Chefe do Poder Executivo, Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, e ao Congresso Nacional que tão decididamente se empenharam para que a mudança da Capital da União para o Planalto Central se realizasse”. Assim está inscrito no Diário da Justiça, edição que da linotipia à impressora foi obra de dois homens de ouro.
Esse Diário da Justiça, todas as suas demais edições, e todas as edições do Diário Oficial da União, são exemplos vivos e emblemáticos do quanto eles são imprescindíveis ao Estado, à Nação, ao País, por afirmarem dia após dia a democracia — pela informação, transparência, credibilidade, fé pública, que são vitais ao pulmão da cidadania, da sociedade.
A respeito da importância da atuação, há 202 anos, da Imprensa Nacional na publicidade dos atos do Estado, por meio do Diário Oficial, do Diário da Justiça e outros veículos, assim se manifestou o professor José Marques de Melo, Doutor em Ciências da Comunicação: “A publicidade dos atos públicos é o combustível, ou oxigênio, da democracia. Há a transparência da gestão pública. Com isso, consegue-se estimular a participação do cidadão na vida nacional. Vejamos o caso da Gazeta do Rio de Janeiro, no início do século XIX. O jornal deu uma guinada de 360º na vida do Rio de Janeiro, da Corte, porque as informações circulavam abertamente e foram estimulando a dinamização das atividades do comércio e da indústria – as duas principais atividades produtivas em qualquer sociedade”.