Jornalistas e estudantes de comunicação transformaram a nona e última edição de 2008 do ciclo de conferências “A Imprensa discute a Imprensa” no maior debate desde o lançamento do evento, em outubro do ano passado. Em 12/11, eles lotaram o auditório Dom João VI da Imprensa Nacional para discussão do tema “Jornalismo de entretenimento”, examinado pelos jornalistas Rafael Cortez, Eduardo Chauvert, Manoel Henrique Tavares Moreira e Clara Arreguy, sob a mediação do também jornalista e Diretor-Geral da Imprensa Nacional, Fernando Tolentino de Sousa Vieira.
HENRIQUE MOREIRA VÊ HUMOR COMO INFORMAÇÃO
Primeiro palestrante, o jornalista e professor Henrique Moreira, coordenador do Curso de Comunicação Social do UniCEUB, falou da importância de se rediscutir o papel do jornalismo na atualidade, que, segundo ele, deveria ser primordialmente o de “dotar as pessoas de informação”. Henrique vê com bons olhos o surgimento de novos estilos de jornalismo como o praticado pelo programa CQC (Custe o Que Custar), da TV Bandeirantes, e apresentado pelo jornalista Marcelo Tás. “Quando aparece alguma coisa nova que desconstrói os formatos tradicionais, a gente vê que, através do humor, da crítica, da ironia, eles conseguem informar as pessoas e atingem um público que normalmente não assiste o telejornal tradicional, não lê o jornal e não tem uma visão crítica”, observou.
De acordo com o professor, a profissão de jornalista tem perdido credibilidade perante a sociedade. Ele considera o jornalismo como um grande negócio e acha que as pessoas deixaram de atribuir-lhe o valor social que deveria ter para a sociedade. “Há um interesse comercial e quando há um negócio, tem que haver a perspectiva do lucro, o retorno daquele investimento. E são fatores limitantes de produção de um bom jornalismo”, condena.
Henrique propôs maior discussão sobre o jornalismo de entretenimento nos meios acadêmicos que, segundo ele, não geram o devido interesse e respeito. “A gente precisa entender o que está acontecendo no jornalismo contemporâneo, a forma como ele se propõe a trabalhar em função da sociedade”.
RAFAEL CORTEZ ELOGIA AVANÇOS DO ENTRETENIMENTO
Rafael Cortez, repórter do programa CQC — sigla de Custe o que Custar, atual coqueluche do meio televisivo — falou na seqüência. Ele contou sua experiência na profissão e relatou o preconceito com o estilo adotado pelo programa no meio jornalístico. Para Rafael, os jornalistas tradicionais não vêem os repórteres do programa com simpatia. “A gente chegou, em algumas ocasiões, a ouvir, em coletivas de imprensa, por parte de jornalistas já veteranos, coisas do tipo: ‘ô CQC, deixa a gente fazer o nosso trabalho sério, depois vocês fazem as suas brincadeiras’. E cheguei a pensar que seria irreversível essa incompreensão”, revelou.
Ele avalia como um grande avanço a discussão do tema e admitiu ter surpreendido-se ao saber que participaria de um encontro com esse intuito. “É um sinal de que as coisas estão boas. Estão num contexto de crescimento. Um dia a gente vai poder falar disso e não vai ter mais aquela velha discussão se o CQC é ou não jornalismo. Ele é jornalismo em que se faz uso do elemento cômico com uma forma de criticar a sociedade e seus integrantes”, sustentou.
Formado há apenas quatro anos pela PUC de São Paulo, Rafael lamenta o fato dessa nova forma de se fazer jornalismo não ter sido discutida no tempo em que esteve nas salas de aula. “Apesar do meu professor de vídeo ter sido um dos integrantes do ‘olhar eletrônico’ — ele havia trabalhado com o Fernando Meirelles e o Tás — ele mal citava o [Ernesto] Varela [repórter fictício criado por Marcelo Tás na década de 80]. Aliás, é impressionante porque não se falava desse conceito durante a minha época de faculdade”.
Ao final, direcionou seu discurso aos universitários, estimulando-os a aproveitar o período acadêmico para fazer experimentações. “A minha expectativa é de que vocês, estudantes universitários, passem a adotar esse conceito e a discutir isso, não só através da experiência do CQC, mas para que isso fique incorporado na profissão também. Que as pessoas possam assimilar a idéia de que é possível extrair fatos também da ferramenta do humor”, provocou.
EDUARDO CHAUVERT PROPÕE UMA BRASÍLIA DESMISTIFICADA
Ao contar um pouco de sua história, Eduardo explicou ter formação em Comunicação, nas áreas de rádio, televisão e cinema. Por perseguir uma forma menos tradicional de fazer jornalismo, criou, juntamente com profissionais adeptos do mesmo ideal, a sua própria empresa e também um programa – denominado Alternativo e transmitido pelo Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), aos sábados, às 12h45min.
O programa destina-se a desmistificar Brasília, conforme salientou: “Queremos mostrar que a Capital Federal, ao contrário da imagem à qual geralmente ela está vinculada, possui vida inteligente, com nobres representantes na cultura, arte e na música”. Garantiu que a idéia de retratar os bastidores da cidade, por meio do vídeo, pode ser considerada vitoriosa, pois o programa completará, na próxima semana, nove anos no ar.
A inovação permanente nas abordagens dos diversos temas tratados pelo Alternativo, no entendimento de Eduardo, sintetiza uma das razões para o sucesso de sua trajetória. Ele também apresenta o programa Executiva Cultura, da Rádio Executiva FM.
Eduardo evidenciou a necessidade de os profissionais procurarem atuar em áreas pelas quais sintam afinidade. “É fundamental, trabalhar com prazer; fazendo o que realmente gosta”. Nesse ponto, o palestrante reconheceu ser muito difícil manter uma produção independente.“Produzir e viabilizar um programa independente em qualquer televisão local é muito complicado”.
Eduardo anunciou o desenvolvimento de um novo projeto, voltado para o turismo histórico e cultural. A partir dos estudos da saga do bandeirante Anhanguera, que, em 1722, saiu de São Paulo e desbravou toda a essa região do Centro-Oeste, o projeto revela a existência de sítios arqueológicos em áreas vizinhas de Brasília, entre outras curiosidades. O trabalho, reunido numa série em vídeo de 52 capítulos, com 12 minutos de duração cada, será distribuído para escolas públicas do DF, e deverá alcançar cerca de 500 mil estudantes. A entrega está prevista para abril de 2009.
CLARA ARREGUY ASSOCIA PLURALISMO À CULTURA
Há 19 anos na área cultural, a Editora de Cultura do Correio Braziliense, Clara Arreguy, afirmou que sua área está diretamente atrelado ao entretenimento, haja vista a cobertura de fatos relacionados às artes plásticas, à música, à televisão, ao teatro. Em sua opinião, o propósito do trabalho que realiza no Caderno C, do Correio pode ser definido na palavra pluralismo.
Clara Arreguy argumentou que embora o jornal de cultura trate essencialmente de eventos locais, ele também abrange os eventos nacionais e internacionais, em virtude de ter como meta atender ao interesse do leitor. Conforme a editora, muitos acreditam que fazer matérias a respeito de shows, peças teatrais, ou filmes seja um trabalho fácil. “Trata-se de uma tarefa árdua, pois requer de nós uma formação, uma preparação, além de muita leitura, mas realmente, muito prazerosa”, retrucou.
Ainda a respeito da cobertura para o caderno de cultura, Clara exaltou a importância da leitura — em qualquer área do jornalismo — e a disposição em ir ao local em que os eventos acontecem, isento de qualquer preconceito. “Na semana passada, tivemos que cobrir um show gospel, depois um funk; temos que escrever sobre tudo, de forma atraente para o público leitor, o nosso maior foco”.
Clara convidou todos a conhecerem a redação do Correio Braziliense, por meio do programa de visitação que o veículo possui, para saber mais acerca do dia-a-dia do profissional que trabalha com a cultura e demais áreas do jornalismo.
FALTOU TEMPO PARA TANTO DEBATE
Assim que recebeu o primeiro bloco de perguntas, o mediador Fernando Tolentino antecipou a impossibilidade de responder a tantas indagações vindas da platéia e também dos internautas plugados em estados diferentes, como Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Bahia e Distrito Federal.
De todas as edições do ciclo, o debate da noite do dia 12/11 obteve o maior número de perguntas do público. Dirigidos em sua maioria para Rafael Cortez, os questionamentos abriram um leque volumoso de participação do público, ávido por conhecer a opinião dele, mas também dos demais integrantes da mesa. A curiosidade instigou humor e educação; jornalismo restrito à informação (Rafael: “Sou motivado pela idéia de criticar, independentemente do CQC”); ausência da disciplina de entretenimento nas faculdades (Henrique Moreira: “a disciplina de jornalismo contemporâneo discute o tema sim”); exigência do diploma; entretenimento no exterior; influência de patrocinadores na definição de pautas; mercado de trabalho para jornalista da área cultural; estágio; pouco espaço para cultura gospel (Carla: “todos se sentem pouco contemplados); linha editorial do CQC; humor X ética; mídia democrática X mídia comercial; eventos sociais; piadas X humilhação.
Legenda da foto: Os jornalistas Clara Arreguy, Eduardo Chauvert, Fernando Tolentino (mediador), Rafael Cortez e Henrique Moreira analisaram o jornalismo de entretenimento