No artigo abaixo, o presidente da
Associação Brasileira de Imprensas Oficiais e diretor-geral da Imprensa
Nacional, Fernando Tolentino, comenta a transição dos diários oficiais em papel para o eletrônico, a partir de quesitos
indispensáveis da discussão como os objetivos dos jornais e suas
características de acesso universal, presunção legal do conhecimento e
atemporalidade, dentre outras
Sobre
a migração de Diário Oficial impresso para eletrônico
Objetivos do Diário Oficial:
1. O principal é, dando
cumprimento ao disposto no art. 37 da Constituição, dar publicidade aos atos oficiais, sejam os do Estado (por seus
três poderes) ou os que tenham imposição legal de publicação, de empresas e
outras instituições privadas.
2. A importância da publicidade é
de tal monta que o Diário Oficial torna-se o instrumento que dá validade a esses atos. Ou seja, só são
aplicáveis a partir do momento em que são publicados ou, em casos especificados
nos próprios atos, em prazos que se contam a partir dessas publicações.
3. Há um objetivo derivado, mas
não menos relevante que os anteriores, o da perenidade, que significa informar aos interessados acerca de atos
oficiais já do conhecimento público. Explica-se: confirmar a publicação e comprovar
como e quando ela se deu. Esse objetivo serve a ações administrativas e
judiciais posteriores e à pesquisa, em particular a pesquisa histórica.
Características indispensáveis do
Diário Oficial:
1. Acesso universal. É a sua mais relevante característica, pois
representa o seu objetivo principal. Dando conhecimento dos atos oficiais e
validando-os, o Diário Oficial é o instrumento para instituir, revogar e
disciplinar direitos e obrigações de entes públicos e de pessoas físicas e
jurídicas da iniciativa privada, além de dispor sobre a organização do Estado e
dar notícia de atos em casos que a legislação o requeira.
2. Presunção legal de conhecimento. Está intrinsecamente ligado ao
conceito de acessibilidade, no sentido de que não resta dúvida sobre a possibilidade
de os entes da sociedade tomarem conhecimento do seu conteúdo que permite
concluir que isso de fato tenha ocorrido.
3. As duas características
anteriores não se dão, necessariamente pela universalização do acesso em si,
mas pela universalização da
possibilidade de acesso, o que significa que o Diário Oficial é tido,
inquestionável e formalmente, como o instrumento em que se dá a publicação dos
atos oficiais.
4. A característica acima leva a
que o conteúdo do Diário Oficial chegue ao conhecimento
universal de duas formas: a direta,
pela leitura ou consulta ao seu conteúdo; e a indireta, pela repercussão das publicações em outros expedientes,
especialmente os veículos de comunicação de massas.
5. Atemporalidade. Comprova que se trata de instrumento essencial,
independente das características tecnológicas da comunicação no tempo em que se
dá a publicação dos atos oficiais. Seja pela inscrição em pedras, tijolos,
pergaminho, por meio da impressão litográfica, tipográfica, em offset ou
digital. Ou seja na mídia disponível.
Isso significa que, caso se conclua como possível atingir os seus objetivos por
outros meios, está assegurado o cumprimento da finalidade do Diário Oficial.
Diário Oficial impresso ou eletrônico:
A grande discussão formal, hoje,
relativamente ao Diário Oficial é a polêmica entre a sua produção e
disponibilização em meio impresso ou eletrônico.Na verdade, não é uma discussão
apenas sobre Diário Oficial, mas sobre todo e qualquer documento que requer confiança. Como resultado de exames
médicos, provas de concursos, dossiês pessoais, dinheiro etc. É também uma
discussão sobre universalização da
informação.
Onde as duas exigências se somam
e estão diretamente ligadas é justamente no Diário Oficial, que por definição
deve ser universal, mas é a própria essência da credibilidade. Foi por causa do
cruzamento dessas duas variáveis que jamais se cogitou publicar os atos
oficiais, por exemplo, por meio de rádio, o veículo de comunicação com maior capacidade
de universalizar a informação. No Brasil, criou-se para isso a Voz do Brasil
sem jamais se pensar em que substituísse o Diário Oficial. Além de um meio
inseguro e instável, o rádio não assegura perenidade.
No quesito da universalização, a
discussão relativa ao Diário Oficial se aproxima da que ocorre com os demais
meios impressos de comunicação. Jornais de todo o mundo fazem essa discussão,
alguns até já migraram para o meio eletrônico. No caso dos jornais de notícias
e entretenimento, o trânsito de uma para outra tecnologia esbarra em boa medida
no fato de que o financiamento deles se dá atualmente muito mais pela
veiculação de publicidade que por meio da venda de seus exemplares.
A publicação na internet não tem
sido uma boa plataforma para a veiculação de publicidade, quesito em que o
sistema impresso sempre foi muito eficaz. A leitura em jornal impresso
praticamente induz ao leitor folhear a publicação, tendo acesso assim a
anúncios que sequer estão nas páginas que procura, além do que a visualização é
quase inevitável na página de interesse do leitor. Por fim, os anúncios
impressos têm mais espaço e visibilidade.
Além disso, há o alto custo de
armazenamento e os jornais consideram-se obrigados a isso, muito mais pela
valorização do conteúdo jornalístico, de indubitável valor histórico, que pelo
publicado como entretenimento.
O fato é que as empresas
jornalísticas têm sido muito compassivas diante da iminência desse trânsito, do
meio impresso para o eletrônico. Pela não conclusão cabal de como se financiar
e pela evidência de que alguns veículos não tiveram sucesso nisso. Um exemplo
foi o Jornal do Brasil, um dos mais importantes títulos da História do Brasil,
que fez a passagem e, pouco depois, desapareceu.
Vários veículos têm tentado limitar
o acesso ao conteúdo, obrigando o leitor a que pague para acessar boa parte das
notícias. Ainda não há uma avaliação consistente do êxito dessa estratégia. Essas
considerações, relativas à questão do financiamento, não se aplicam – ao menos
da mesma forma – aos diários oficiais, cuja essencialidade exige a busca de
alternativas, além do que a origem do custeio, no Brasil, advém genericamente
do responsável pelo ato a ser publicado. A obrigatoriedade da publicação leva
esse responsável a arcar com os seus custos.
Mais indispensável é o
questionamento no que se refere à universalização em si. Aí, é fundamental
avaliar a situação especifica do meio em que circula cada Diário Oficial, em
que se devem apurar algumas questões, tais como:
– Qual o índice de inclusão
digital da comunidade de referência, aquela a que é, prioritariamente, dirigido
o Diário Oficial.
–
Em quantas horas
o Diário Oficial chega à comunidade de referência.
– Qual o índice de acesso ao
Diário Oficial fora dos limites do Estado ou qual se pretende que venha a ser
tal índice.
– Qual o custo de produção atual
em meio impresso do Diário Oficial.
– Qual o custo de produção atual
em meio eletrônico do Diário Oficial.
– Qual o investimento requerido
para a implantação da produção
eletrônica do Diário Oficial ou, se já há essa produção paralela ao impresso,
para assegurar os requisitos de segurança indispensáveis.
Condições de segurança
indispensáveis.
É preciso ter claro que o Diário
Oficial é um instrumento de Estado (até mais que “de Governo”), essencial ao funcionamento
do sistema republicano. Isso significa que o recebimento de matérias seja ágil,
incorruptível e seguro.
– Pressupõe, portanto, rotinas
absolutamente confiáveis (inquestionáveis pelos demais setores da sociedade),
sigilo indiscutível durante a produção e certificação digital na origem.
– Precisa ser garantido também um
sistema de editoração e paginação que não dê espaço para rompimento do sigilo
com relação às informações, manipulação por pessoas não confiáveis e submetidas
à disciplina de Estado (a produção deve caber a servidores públicos estáveis,
se administração direta ou autárquica, ou empregados públicos, nos demais
casos) e produção de um veículo com integridade e acessibilidade.
– A disponibilização na internet
deve ter requisitos de acessibilidade. É muito importante também que os
usuários contem com ferramentas de pesquisa ágeis, seguras e de fácil manuseio.
– Um dos componentes fundamentais
da acessibilidade é a gratuidade do acesso à informação, o que, por consequência,
significa o compromisso de arcar diretamente com os custos de implantação e
manutenção.
– É fundamental o cumprimento do
requisito da permanência da informação, ou seja, que a base de dados tenha sua
manutenção perenemente assegurada.
– O sistema eletrônico de
processamento de informações, a disponibilização na internet e os sistemas de
segurança (inclusive anti-vírus) têm desenvolvimento diário, com avançado ritmo
de obsolescência, o que significa a certeza de que sempre haverá custos
consideráveis de manutenção.
Edição de segurança
Mantidos todos esses requisitos
de segurança, ainda assim é recomendável a produção de alguns exemplares
impressos, como uma reserva de garantia.
Explica-se. Ainda não há absoluta
certeza da segurança do meio eletrônico em todas as fases do processo:
recebimento, editoração, disponibilização e armazenamento.
O meio eletrônico depende de
variáveis que podem comprometer algumas dessas fases. As informações transitam
por meio de rádio, fibra ótica ou cabos, todos eles sujeitos a intempéries e
acidentes, e o fornecimento desse serviço é realizado com o recurso de
contratação externa, às vezes de empresas que se contratam em cadeia.
Há ainda os riscos ligados à
questão do próprio estágio do desenvolvimento tecnológico e da pirataria. No
que concerne ao desenvolvimento, estão as questões de substituição periódica de
mídias, que determinam a transferência de informações para as mais novas, e
equipamentos de leitura.
Com relação à pirataria, é
conhecida a ação de “hackers” que penetram em bancos de dados, desorganizam
essas bases e “sujam” portais, além de provocar a paralisação deles. O mais
comum é o chamado ataque de negação de serviço, aos quais é dificílimo
resistir.
Uma das defesas a agressões às
informações disponíveis é a certificação digital. Mas é sempre interessante
lembrar que significa empreender uma luta interminável e permanente contra os
agressores. As chaves atualmente têm 1024 caracteres (vêm se multiplicando
desde um número de 56 caracteres), mas nada indica que não seja necessário
aumentar isso, pois a luta para quebrá-las prossegue.
A edição impressa de segurança deve ser compreendida como de um
instrumento de Estado, o que significa que, embora possa ser bastante limitada,
não pode dispensar a disponibilidade de exemplares para instituições alheias ao
Poder Executivo, única forma de garantir confiabilidade ao veículo.
Recomenda-se, no mínimo, que os
exemplares estejam disponíveis para o Poder Legislativo, o Tribunal de Contas e
o Arquivo Público. Mas é desejável que estejam igualmente em outros acervos
acessíveis à população (bibliotecas públicas e de Universidades, por exemplo)
para servir como contingências nos lapsos causados por situações imprevisíveis.
Fernando
Tolentino
Diretor-Geral
da Imprensa Nacional
Presidente
da Associação Brasileira de Imprensas Oficiais